Em meio à crise técnica que assola a seleção brasileira e após o fracasso nas negociações com Carlo Ancelotti, uma pergunta ecoa entre torcedores e especialistas: por que a CBF não aposta em Abel Ferreira, o treinador estrangeiro mais bem-sucedido em atividade no futebol brasileiro? O português que revolucionou o Palmeiras parece ser uma solução óbvia que, inexplicavelmente, não ganha força nos corredores da entidade máxima do futebol nacional.
O Fenômeno Abel Ferreira no Palmeiras
Desde sua chegada ao Palmeiras em outubro de 2020, Abel Ferreira construiu um legado impressionante:
- 2 Libertadores (2020 e 2021)
- 2 Campeonatos Brasileiros (2022 e 2023)
- 1 Copa do Brasil (2020)
- 1 Recopa Sul-Americana (2022)
- 1 Campeonato Paulista (2022)
- 1 Supercopa do Brasil (2023)
Em menos de quatro anos, o treinador português conquistou nove títulos relevantes, implementando uma filosofia de jogo adaptativa, pragmática e mentalmente forte. Além dos troféus, Abel desenvolveu jovens talentos, maximizou o potencial de jogadores experientes e criou uma identidade reconhecível para sua equipe.
A Resistência da CBF aos Técnicos Estrangeiros
Apesar do sucesso incontestável de Abel, a CBF demonstra uma hesitação histórica em relação a treinadores estrangeiros para a seleção brasileira. Alguns fatores podem explicar essa relutância:
1. Tradição e Orgulho Nacional
O Brasil é o único pentacampeão mundial, e todos os títulos foram conquistados com técnicos brasileiros. Existe uma crença arraigada de que o futebol brasileiro deve ser dirigido por quem “entende a alma” do jogador nacional.
2. Pressão da Classe de Treinadores Brasileiros
A influente comunidade de técnicos brasileiros tradicionalmente faz lobby contra a contratação de estrangeiros, alegando que isso desvaloriza os profissionais locais e interrompe o desenvolvimento de uma escola nacional de treinadores.
3. Receio de Adaptação Cultural
Mesmo com Abel demonstrando excelente adaptação ao Brasil, persiste o temor de que um estrangeiro não consiga lidar com as peculiaridades do ambiente da seleção, incluindo a pressão da mídia, as idiossincrasias dos jogadores brasileiros e as expectativas estratosféricas.
4. O Paradoxo Ancelotti
Curiosamente, a CBF tentou contratar Carlo Ancelotti por duas vezes, o que contradiz parcialmente a resistência a estrangeiros. Porém, esta exceção parece se aplicar apenas a nomes consagrados mundialmente, de preferência europeus, revelando um certo complexo de inferioridade institucional.
Aprendendo com Portugal e Argentina
Enquanto o Brasil hesita, podemos observar dois modelos bem-sucedidos em seleções tradicionais:
O Modelo Português
Portugal apostou continuamente em técnicos locais:
- Fernando Santos: Conquistou a Eurocopa 2016 e a Liga das Nações 2019
- Roberto Martínez (atual): Espanhol que conhece profundamente o futebol português
A federação portuguesa valoriza profissionais que entendem a cultura local e o desenvolvimento do jogador português, estabelecendo uma continuidade filosófica no trabalho.
O Modelo Argentino
A Argentina, após experimentações com técnicos estrangeiros (como Gerardo Martino), retornou ao modelo local com:
- Lionel Scaloni: Ex-jogador da seleção sem grande experiência como treinador que conduziu a Argentina aos títulos da Copa América 2021 e Copa do Mundo 2022
A aposta argentina demonstrou que mais importante que o currículo é a identificação com o projeto esportivo nacional e a capacidade de conectar-se com os jogadores.
Por Que Abel Ferreira Seria a Escolha Ideal
Considerando o momento atual da seleção brasileira, Abel Ferreira apresenta características que o credenciam como candidato ideal:
1. Conhecimento do Futebol Brasileiro
Após quase quatro anos no Brasil, Abel compreende profundamente as características do jogador brasileiro, o calendário caótico e as pressões do ambiente futebolístico nacional. Não seria um estrangeiro tentando entender o Brasil, mas alguém já “abrasileirado”.
2. Pragmatismo e Adaptabilidade
Uma das maiores qualidades de Abel é sua capacidade de adaptar o estilo de jogo conforme o adversário e as condições da partida. Na seleção, essa flexibilidade tática seria crucial para enfrentar diferentes escolas futebolísticas.
3. Capacidade de Construir Grupos Coesos
O treinador português demonstrou no Palmeiras excepcional habilidade para criar um ambiente de trabalho produtivo, com jogadores comprometidos com um objetivo comum. Este aspecto é fundamental para períodos curtos de preparação, como ocorre nas Datas FIFA.
4. Perfil Vencedor e Mentalidade Competitiva
Abel cultiva uma cultura de excelência e não se intimida diante de desafios. Sua personalidade forte e capacidade de tomar decisões difíceis seriam valiosas para romper o ciclo de frustrações da seleção.
Os Obstáculos para a Contratação
Apesar dos argumentos favoráveis, existem barreiras práticas para a chegada de Abel à seleção:
1. Contrato com o Palmeiras
Abel possui vínculo com o clube paulista e cláusulas de rescisão substanciais. A CBF precisaria negociar com o Palmeiras ou aguardar o término do contrato.
2. Projeto Pessoal
O treinador tem manifestado interesse em permanecer no Palmeiras para consolidar seu legado. Um ciclo na seleção poderia interromper este projeto de longo prazo.
3. Resistência Interna na CBF
Setores conservadores dentro da entidade ainda resistem à ideia de um técnico estrangeiro, mesmo que este tenha provado seu valor no futebol brasileiro.
A Lição que a CBF Precisa Aprender
O futebol moderno exige abertura a novas ideias e superação de preconceitos. Seleções tradicionais como França, Alemanha e Espanha já contrataram técnicos estrangeiros quando necessário, sem que isso representasse abandono da identidade nacional.
A CBF precisa responder a uma pergunta fundamental: o objetivo é preservar um nacionalismo ultrapassado ou construir uma seleção competitiva?
Conclusão: Hora de Pragmatismo
O caso Abel Ferreira ilustra perfeitamente a dicotomia entre tradição e inovação no futebol brasileiro. Enquanto a CBF continua sua busca por nomes internacionais de peso (como Ancelotti) ou se volta para soluções caseiras frequentemente recicladas, o técnico que melhor conhece o futebol brasileiro atual segue sendo ignorado.
A experiência de Portugal e Argentina demonstra que o essencial não é a nacionalidade do treinador, mas sua capacidade de implementar um projeto vitorioso alinhado com as características dos jogadores disponíveis.
Para o Brasil recuperar seu protagonismo no cenário mundial, talvez seja hora de olhar para o exemplo que brilha em seu próprio quintal. Abel Ferreira pode não ser brasileiro de nascimento, mas poucos entendem tão bem o futebol nacional como ele atualmente. A pergunta que permanece é: terá a CBF a coragem de romper paradigmas e apostar em quem já provou seu valor em solo brasileiro?