A Seleção Brasileira vive um momento de transformação e busca por identidade. Com a saída de Dorival Júnior, o nome de Jorge Jesus surge como favorito para assumir o comando técnico da equipe pentacampeã mundial. O português traz consigo não apenas resultados expressivos, mas uma filosofia de jogo baseada nos ensinamentos de Johan Cruyff que poderia representar uma verdadeira revolução tática para o futebol brasileiro.
O outsider do futebol português
Diferente da nova geração de técnicos portugueses formados em universidades e fluentes em inglês, Jorge Jesus construiu sua carreira por caminhos menos convencionais. Nascido em 1954 na Amadora, região metropolitana de Lisboa, o treinador teve uma trajetória modesta como jogador e iniciou sua carreira técnica aos 35 anos quase por acidente, quando um dirigente do Amora o convidou para assumir o time após observar sua intensa comunicação com os companheiros durante uma partida.
“Jesus é um treinador muito intenso com os jogadores, com muita intuição estratégica e tática”, explica António Veloso, especialista em alta performance da Universidade de Lisboa. Esta intensidade, que por vezes pode levar à saturação em clubes, poderia funcionar perfeitamente no ambiente de uma seleção, onde o contato com os atletas é intermitente.
O momento decisivo na formação tática de Jesus aconteceu durante um estágio de um mês no Barcelona, onde conviveu com Johan Cruyff. A influência do mestre holandês é frequentemente citada pelo treinador: “Cruyff me ensinou que é melhor ganhar de 5 a 4 que de 1 a 0”. Esta frase sintetiza uma filosofia que privilegia o controle da bola, a defesa adiantada e a pressão ofensiva – princípios que remontam ao Futebol Total da Holanda dos anos 70.
A alquimia tática que transformou clubes
A filosofia de Jesus se fundamenta em cinco pilares: criatividade, operacionalização de ideias, liderança, organização e paixão. Esta combinação resultou em conquistas expressivas em diferentes continentes, demonstrando a adaptabilidade de seu modelo de jogo a distintas culturas futebolísticas.
No Benfica, Jesus tornou-se o técnico mais vitorioso da história do clube, conquistando dez títulos em seis anos. Além dos três campeonatos nacionais, levou o time português a duas finais da Liga Europa, quase quebrando a famosa “maldição” de Béla Guttman. O húngaro havia profetizado que o Benfica jamais seria campeão continental após ser negado um aumento de salário na década de 1960.
Porém, foi no Brasil que Jesus alcançou seu maior feito continental. Em apenas seis meses à frente do Flamengo, conquistou a Libertadores de 2019, quebrando um jejum de 38 anos. O rubro-negro carioca exibiu um futebol ofensivo e envolvente, marcando 22 gols em 12 jogos na competição. A dobradinha com o Campeonato Brasileiro no mesmo ano cimentou sua reputação no futebol sul-americano e mostrou que seu estilo pode funcionar além das fronteiras europeias.
Atualmente no Al Hilal da Arábia Saudita, o português bateu o recorde mundial de 34 vitórias consecutivas em jogos oficiais, façanha reconhecida pelo Guinness Book. Esta capacidade de extrair o máximo de diferentes grupos demonstra versatilidade e habilidade para gerenciar elencos diversos – qualidades essenciais para um selecionador.
O desafio Neymar e a gestão de estrelas
Um dos pontos mais delicados para a possível chegada de Jesus à Seleção Brasileira envolve seu relacionamento com Neymar. No início deste ano, o treinador decidiu não inscrever o brasileiro no Campeonato Saudita pelo Al Hilal, alegando que o jogador não conseguia atuar com a intensidade necessária após retornar de lesão. Este episódio culminou com a saída de Neymar e seu retorno ao Santos.
Apesar da controvérsia, Jesus sempre elogiou publicamente o talento de Neymar, e a dinâmica entre ambos na Seleção seria completamente diferente da vivida no clube saudita. O contexto de uma competição internacional, com a camisa amarela, poderia favorecer uma relação mais harmoniosa e produtiva.
O desafio, no entanto, vai além de Neymar. O Brasil conta com uma geração talentosa de jogadores espalhados pelos principais clubes europeus – Vinícius Júnior, Rodrygo, Raphinha e Alisson, entre outros. Tite não conseguiu fazer essa constelação de estrelas render o esperado na Copa de 2022. Conseguiria Jesus transformar talentos individuais em um coletivo funcional e vitorioso?
A experiência do português com o Flamengo oferece pistas positivas. Ele conseguiu potencializar jogadores como Gabigol, Bruno Henrique e Everton Ribeiro, criando um sistema que valorizava suas características individuais dentro de uma estrutura coletiva sólida.
O encontro entre o DNA brasileiro e o toque “cruyffiano”
A possível chegada de Jorge Jesus representa uma interessante fusão entre a tradicional criatividade brasileira e a organização tática europeia, filtrada pela lente ofensiva inspirada em Cruyff. O Brasil vem oscilando entre períodos de pragmatismo excessivo e momentos de desorganização tática nas últimas competições.
O “gol do olé” sofrido contra a Argentina no Monumental de Nuñez – onde a bola passou pelos pés dos onze jogadores argentinos em 34 toques consecutivos – dificilmente aconteceria com Jesus no comando. Sua presença enérgica à beira do campo e sua obsessão por um time compacto e intenso poderiam trazer de volta a personalidade que falta à Seleção.
O estilo ofensivo de Jesus também dialoga com as raízes do futebol brasileiro. Em uma era em que muitos técnicos priorizam a segurança defensiva, o português poderia resgatar o DNA ofensivo da amarelinha, proporcionando aos torcedores um futebol mais atraente e envolvente.
Em sua palestra na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, Jesus destacou a importância da paixão como um dos pilares de seu trabalho. Esta conexão emocional com o jogo poderia reacender a chama entre a torcida brasileira e sua seleção, criando um ambiente mais favorável para as eliminatórias e a próxima Copa do Mundo.
A possível contratação de Jorge Jesus pela CBF não representa apenas a escolha de um técnico, mas a adoção de uma filosofia de jogo. Um casamento entre a escola portuguesa contemporânea e os princípios eternos de Johan Cruyff, adaptados à realidade e ao talento brasileiros.
Quando será que veremos novamente uma Seleção Brasileira que encante o mundo com seu futebol? Jorge Jesus e seu estilo “cruyffiano” podem ser a resposta para essa pergunta que atormenta milhões de torcedores brasileiros desde 2002.
E você, acredita que o “Mister” é o nome certo para liderar esta revolução tática na Seleção? Compartilhe sua opinião e acompanhe as próximas notícias sobre o futuro do comando técnico do Brasil.