Neymar na seleção brasileira: entre o legado e a urgência da renovação

A figura de Neymar Jr. na Seleção Brasileira é como um espelho que reflete dilemas profundos do futebol nacional: como honrar um legado histórico sem comprometer o futuro? Com 79 gols em 128 jogos, o atacante é o maior artilheiro da história da Amarelinha, superando nomes como Pelé e Ronaldo. Entretanto, sua trajetória recente — marcada por lesões recorrentes e ausências prolongadas — coloca a CBF diante de um desafio complexo: é possível conciliar a genialidade técnica de Neymar com a urgência de renovar o elenco para a Copa de 2026?

A Dualidade de um Ídolo: Entre a Genialidade e a Fragilidade

Neymar não é apenas um jogador; é um símbolo. Sua capacidade de ditar o ritmo de um jogo, criar chances improváveis e decidir partidas com um toque de inspiração o torna único. Durante a Copa de 2022, por exemplo, sua atuação contra a Croácia nas quartas de final (mesmo com o Brasil eliminado) mostrou por que ele ainda é referência em momentos decisivos. No entanto, essa mesma genialidade é ofuscada por uma realidade implacável: desde 2017, ele acumula mais de 1.150 dias afastado dos gramados devido a lesões, incluindo um rompimento de ligamentos no joelho em 2023 e múltiplas intercorrências musculares após seu retorno ao Santos em 2025. Aos 33 anos, a pergunta que se impõe não é sobre seu talento, mas sobre sua capacidade de sustentar fisicamente a exigência de uma Copa do Mundo.

O Argumento a Favor da Continuidade: Liderança e Experiência em Xeque

Defensores da permanência de Neymar argumentam que sua influência transcende estatísticas. Ele é o último elo da geração que viveu três Copas (2014, 2018 e 2022), acumulando experiência em cenários de alta pressão. Sem contar de sua habilidade em organizar o jogo tático, atraindo marcações e liberando espaços para jovens como Vinicius Jr. e Rodrygo permitindo que a dupla do Real Madrid explorasse as pontas com mais liberdade. Além disso, seu recorde histórico funciona como um status simbólico: em um país obcecado por números, ter o maior artilheiro da seleção em atividade é um trunfo psicológico tanto para a torcida quanto para os adversários.

A Crise que Exige Renovação: Por Que o Brasil Precisa se Reinventar

Por outro lado, a dependência excessiva de Neymar revela uma fragilidade estrutural. Sem ele, a Seleção Brasileira frequentemente perde identidade, como ocorreu na derrota para a Argentina nas semifinais da Copa América 2023, quando a ausência do camisa 10 deixou um vácuo criativo no meio-campo. Essa dependência, somada à sua instabilidade física, alimenta um ciclo vicioso: a equipe se estrutura para compensar suas ausências, mas não desenvolve um modelo de jogo autossustentável. Não por acaso, em jogos sem Neymar durante as Eliminatórias de 2026, o Brasil experimentou formações mais coletivas, como o 4-3-3 com Endrick como pivô — estratégia que, embora irregular, mostrou lampejos de um futebol menos individualista.

Copa de 2026: Estratégias para uma Transição sem Traumas

Se Neymar não estiver apto em 2026, a CBF precisará adotar uma abordagem multifacetada, equilibrando respeito ao passado e aposta no futuro. Um caminho possível é priorizar sistemas táticos que valorizem a posse de bola e a pressão alta, estilo defendido por Pep Guardiola, cotado para assumir o comando técnico. Nesse modelo, jogadores como Bruno Guimarães (Newcastle) e João Gomes (Wolverhampton) ganhariam protagonismo no meio-campo, enquanto Vini Jr. e Martinelli atuariam como alas criativos, função que já desempenham com excelência em seus clubes europeus.

Outro pilar é integrar gradualmente jovens promessas sem sobrecarregá-las. Endrick, por exemplo, já demonstra maturidade técnica no Real Madrid, mas exigir que ele substitua Neymar como “salvador da pátria” seria um erro histórico — algo que o próprio Pelé enfrentou em 1958, quando Zagallo e Garrincha dividiram responsabilidades para aliviar a pressão sobre o então jovem astro.

O Papel da CBF: Entre a Gestão de Crises e o Planejamento de Longo Prazo

A entidade precisa agir em três frentes:

  1. Transparência na comunicação: Evitar o suspense midiático sobre a recuperação de Neymar, como ocorreu em 2025, quando especulações sobre seu retorno geraram cobranças desnecessárias.
  2. Investimento em departamentos médicos: Criar uma ponte direta entre a comissão técnica e os clubes (especialmente o Santos) para monitorar não apenas Neymar, mas todos os jogadores convocados, evitando recaídas.
  3. Cultivo de novas lideranças: Identificar quem pode assumir o papel de líder no vestiário — seja Casemiro, pela experiência, ou até mesmo Vini Jr., cuja ascensão no Real Madrid o coloca como candidato natural a capitão.

Um Novo Capítulo para a Seleção

A resposta à pergunta “O que fazer com Neymar?” não é binária. Ele ainda tem condições de contribuir, mas como peça complementar, não como eixo central. Sua experiência pode ser valiosa em momentos decisivos, como cobranças de pênaltis ou partidas tensas em mata-matas, mas a Seleção precisa urgentemente romper com a cultura do “homem-salvação”, herança de uma era que já não existe.

A Copa de 2026 deve marcar não apenas o possível adeus de um ídolo, mas o início de uma filosofia que valorize o coletivo sobre o individual. Afinal, como mostrou a Alemanha em 2014 e a França em 2018, são as equipes — não os astros isolados — que levantam taças em tempos modernos. O Brasil tem talento para seguir esse caminho. Resta saber se terá coragem.

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