Os clubes de futebol brasileiros investem milhões nas categorias de base em busca de talentos que possam render esporte e renda. Mas afinal, quantas partidas um jogador revelado precisa atuar no time profissional para “pagar” o investimento feito em sua formação? De forma simples, um atleta da base se paga quando gera valor suficiente – seja economizando contratações ou rendendo com títulos e vendas – para cobrir todos os custos de sua formação. Vamos analisar os principais aspectos desse cálculo de forma clara e direta.
Investimento x Retorno financeiro
Clubes grandes do país destinam parcelas significativas do orçamento à base. Por exemplo, de acordo com levantamento da Outfield, Flamengo e Palmeiras juntos investiram cerca de R$ 311 milhões nas categorias de base nos últimos anos, o que equivale a cerca de 16% dos gastos totais em um ano típico. Em São Paulo, estima-se que o clube tricolor gastou R$ 128 milhões no período recente, revelando 66 atletas que chegaram ao profissional. No Santos, o orçamento para a base será de R$ 29 milhões em 2025 (em torno de 10% do orçamento profissional). Em suma, cada clube investe dezenas de milhões por ano para bancar treinadores, estruturas, hospedagem, educação e o próprio auxílio (bolsa-atleta) dos jovens.
Do outro lado da conta, estão as receitas diretas que esses atletas podem gerar. O retorno financeiro vem principalmente de duas vias: vendas de atletas e economia com folha salarial/taxas de transferência. Quando um jovem promove-se e é negociado com o exterior, o valor da transferência pode ser um retorno imediato gigantesco. Por exemplo, o atacante Endrick, revelado pelo Palmeiras, foi vendido ao Real Madrid por 72 milhões de euros (cerca de R$ 409 milhões), tornando-se o segundo negócio mais caro da história do futebol brasileiro. Outros exemplos célebres: Vinícius Jr. (Flamengo) saiu por 45 milhões de euros e Gabriel Jesus (Palmeiras) por 32,7 milhões, conforme levantamento do Globo Esporte. Basta uma única venda como essas para cobrir com folga muitos anos de investimento na base.
Além disso, revelar um jogador evita que o clube gaste em transferências caras. Em vez de pagar milhões por uma contratação, o clube já tem o atleta formadinho “em casa”, economizando salários mais altos de veteranos. Esse efeito indireto também ajuda a “pagar” o investimento. Segundo o CIES Football Observatory, um dos objetivos de investir na base é justamente formar atletas que custem “comparativamente menos” do que os vindos de fora.
Contribuição esportiva e títulos
Mas o retorno de um jogador vai além do financeiro puro. No campo, a presença de um revelado pode significar vitórias, títulos e premiações que enchem o caixa do clube. Por exemplo, a Copa do Brasil 2024 pagou mais de R$ 50 milhões ao campeão, distribuídos entre todas as fases. Se um jovem titular ajuda o time a conquistar a Copa do Brasil ou chegar longe em campeonatos continentais, sua contribuição em campo tem valor monetário claro. Ainda que seja difícil dividir exatamente quanto cada jogo “vale”, estima-se que cada vitória importante pode render alguns milhões (somando bilheteria, premiação e cotas de TV).
Além disso, um bom produto de base atrai patrocínios e exalta a marca do clube. Jogadores revelados são geralmente mais ligados à torcida local, o que aumenta “o engajamento da torcida” e pode render venda de camisas e bons negócios de marketing. O São Paulo, por exemplo, conquistou recentemente a Copa do Brasil com um gol de Rodrigo Nestor, garoto da base, coroando anos de investimento que agora aparecem em resultados esportivos.
Em resumo, cada gol decisivo, cada classificação ou título envolvendo um garotinho revelado também precisa ser considerado no “payback”. Se formos conservadores, podemos dizer que um jovem titular de um time grande gera em média R$ 200 mil a R$ 300 mil por jogo em receita líquida (somando bilheteria, TV e pequenos patrocínios atrelados ao jogo). Assim, 20 jogos bons no ano já representam algo como R$ 4–6 milhões de receita direta, número que rapidamente se aproxima de um custo anual de base.
Visibilidade para o clube
Outro ponto importante é a visibilidade que o atleta traz. Jogadores jovens de destaque atraem mídia e chamam atenção nacional e até internacional para o clube. Esse efeito intangível pode não ter um valor fácil de mensurar, mas é real: torneios escolares com transmissão, vestiário na mídia, meme no Twitter – tudo isso amplia a exposição do escudo no peito. Por exemplo, Vinícius Jr., durante as Copas, alcançava mídia e fãs pelo Brasil, o que acabou fortalecendo a imagem do Flamengo mundo afora, já que “aquele menino do Flamengo” brilhou na seleção. Esse benefício indireto, embora não entre diretamente no caixa do clube, abre portas de receita (patrocínios vinculados à marca do jogador, parcerias comerciais etc.), acelerando o retorno do investimento feito nele.
Uma estimativa de payback
Vamos fazer um cálculo simplificado para ilustrar “quanto jogar para se pagar”. Suponha um atacante da base que passa 6 anos nas categorias de formação, dos 12 aos 18 anos. Se o clube gasta cerca de R$ 200 mil por ano com estrutura (treinador, alojamento, testes médicos, transporte escolar etc.), a formação total seria algo como R$ 1,2 milhão (6 × 200 mil). Quando sobe ao profissional, considere mais 2 anos de salários iniciais até ser negociado – digamos R$ 1 milhão por ano, totalizando R$ 2 milhões. Assim, o investimento total seria de cerca de R$ 3,2 milhões nesse jogador (formação + salários iniciais).
Cálculo simplificado: R$ 1,2 mi de formação + R$ 2 mi de salários = R$ 3,2 mi de custo total.
Em seguida, o retorno começa a acumular. Se esse jogador for vendido por apenas R$ 50 milhões (valor modesto para um grande destaque), o clube teria R$ 46,8 milhões de lucro (50 − 3,2) imediatamente. Mesmo que não seja vendido tão cedo, cada jogo que ele disputa contribui. Se cada partida gera ~R$ 250 mil ao clube em receitas (bilheteria líquida + parte de TV, conservando margem após custos operacionais), então 13 jogos já renderiam ~R$ 3,25 milhões, cobrindo o investimento inicial. Em outras palavras, um só campeonato brasileiro com 38 jogos, com metade como titular, provavelmente recuperaria o investimento em base.
Além disso, imagine que ele marque gols decisivos num campeonato estadual ou chegue às fases finais de um torneio nacional. Uma conquista de Estadual vale algo em torno de R$ 4 a 5 milhões em cotas e premiações para o campeão. Se com isso o clube ganhar, digamos, R$ 5 milhões extras no ano, esse montante já representa mais 1,5x o investimento no jogador.
Em resumo, basta que o garoto seja titular por algumas temporadas – especialmente se for eficiente em marcar gols ou dar assistências – para que suas participações já paguem o que foi gasto nele. Se alcançar títulos de expressão, então o “pé de meia” no caixa do clube aumenta ainda mais rápido.
Exemplo prático: o caso Vinícius Jr.
Para concretizar, peguemos um exemplo real e popular. Vinícius Júnior saiu do Flamengo aos 18 anos por 45 milhões de euros (~R$ 250 milhões na época). Mesmo que o Flamengo tenha investido generosamente na base do Ninho do Urubu (cerca de R$ 184 milhões entre 2019 e 2023), o valor bruto recebido por Vinícius foi muito maior do que qualquer gasto em formação de um atleta. Mesmo considerando apenas o custo daquele período de base (digamos R$ 2 milhões), o ganho com a venda foi de quase 125 vezes esse valor. Em termos de jogos, Vinícius atuou menos de 50 vezes como profissional pelo Flamengo, mas já havia “se pago” com folga antes de completar 20 anos.
Gabriel Jesus é outro bom exemplo. Revelado pelo Palmeiras, foi negociado ao Manchester City por €32,7 milhões em 2016. O investimento palmeirense em sua formação foi seguramente inferior a alguns milhões de reais, de modo que o retorno foi imediato. No campo, Jesus também contribuiu com gols que ajudaram o Palmeiras a ganhar títulos paulistas e obter premiações, além de atrair a atenção mundial ao clube.
Conclusão
Em suma, um jogador de base pode “se pagar” muito rapidamente se receber oportunidade e corresponder em campo. Os custos de formação (estrutura, pessoal, salários iniciais) são altos – tipicamente na casa de alguns milhões de reais por atleta ao longo de anos de treinamento – mas um título ou uma grande venda superam esses valores. De maneira aproximada, basta que um jovem revele seu potencial jogando em torno de 10 a 20 partidas boas pelo profissional, ou ajude o clube em algum campeonato importante, para começar a equilibrar as contas. Somando prêmios, bilheteria e sobretudo uma possível transferência futura, o clube costuma compensar o investimento em poucos meses ou anos de sua carreira.