Filipe Luís e a formação emocional

O silêncio tomou conta do Maracanã por uma fração de segundo. A bola, impulsionada pelo pé esquerdo de Joshua, balançou as redes no minuto 85. Enquanto trinta e cinco mil pessoas explodiam em êxtase, Filipe Luís permaneceu imóvel à beira do campo, os olhos marejados fixos no jovem que corria em sua direção. O abraço entre eles transcendeu o momento esportivo — era o ápice de uma jornada iniciada cinco anos antes, quando um Filipe ainda jogador vislumbrou algo especial naquele menino franzino do sub-17. A Profecia de Ninho do Urubu “Ele tem algo diferente”, comentou Filipe aos 35 anos, após assistir a um treino da base em Ninho do Urubu. Na época, Joshua era apenas mais um entre dezenas de adolescentes sonhadores. Filipe, já planejando sua transição para a carreira de treinador, passou a dedicar tempo extra ao jovem atacante. “Filipe aparecia nos treinos da base quando ninguém esperava”, revela Marcos Braz, vice-presidente de futebol do Flamengo. “Enquanto outros jogadores do profissional aproveitavam folgas, ele estava lá, observando, aconselhando. A conexão com Joshua começou muito antes de qualquer um imaginar.” A relação se fortaleceu gradualmente. Durante seus últimos dois anos como jogador, Filipe tornou-se mentor informal de Joshua. Mensagens de texto após os jogos da base, convites para assistir vídeos táticos, conselhos sobre nutrição. Um vínculo que ultrapassava o profissional e alcançava o paternal. Da Transição à Ascensão Quando Filipe Luís assumiu o comando técnico do Flamengo em janeiro de 2024, após um breve período nas categorias de base, uma de suas primeiras decisões foi promover Joshua ao elenco principal. A escolha gerou ceticismo entre diretores e torcedores. “Muitos questionaram se não era precipitado, se não estava privilegiando um jogador com quem tinha afinidade”, conta Diego Ribas, ex-companheiro de Filipe e atual coordenador técnico do clube. “Mas quem acompanhava os bastidores sabia que aquela decisão não era emocional — era técnica, baseada em anos de observação minuciosa.” Os primeiros meses foram de adaptação. Joshua oscilava entre lampejos de genialidade e erros típicos da juventude. A imprensa questionava, a torcida impacientava-se. Filipe, entretanto, manteve-se inabalável em sua convicção. “Nunca vi um treinador proteger tanto um jogador sem comprometer sua autoridade”, observa Everton Ribeiro, que retornou ao clube como assistente técnico. “Ele cobrava Joshua mais duramente que qualquer outro, justamente porque conhecia seu potencial. Mas fazia isso longe dos holofotes, preservando a confiança do garoto.” O Momento da Transformação O ponto de inflexão ocorreu durante um treino fechado em abril. Após uma série de finalizações erradas, Joshua explodiu em frustração, atirando a chuteira contra o alambrado. Filipe interrompeu o treino e, em vez da bronca esperada, conduziu o jovem para uma conversa reservada que durou quase uma hora. “Naquele dia, vi Filipe mostrar ao Joshua vídeos de seus próprios erros quando tinha 20 anos”, revela o preparador físico Márcio Tannure. “Ele desmistificou a perfeição, humanizou o processo de desenvolvimento. Depois daquela conversa, vimos outro jogador em campo.” As semanas seguintes marcaram a ascensão meteórica do jovem atacante. Cinco gols em seis jogos, incluindo aquele decisivo no clássico contra o Fluminense, selaram sua consagração. A corrida em direção a Filipe Luís após o gol virou símbolo da nova era rubro-negra — uma era em que as conexões humanas transformam potencial em realidade. O Fenômeno Além de Joshua Filipe Luís não revoluciona apenas a trajetória de Joshua. Outros jovens como Miguel e Matheus França encontraram sob seu comando o ambiente ideal para florescer. O técnico implementou o que chama de “desenvolvimento personalizado” — cada jovem da base recebe um programa específico de evolução, com metas técnicas, táticas e emocionais. “Filipe conhece cada um deles desde o início. Sabe quem precisa de cobrança dura e quem rende mais com incentivo”, explica Rodolfo Landim, presidente do clube. “É um conhecimento impossível para um técnico que acaba de chegar. Essa é a vantagem competitiva que estamos construindo.” Ecos do Passado: Lições de Outros Momentos A história de Filipe Luís e Joshua não é inédita no futebol mundial, embora seja rara. Pep Guardiola e Busquets viveram algo semelhante no Barcelona. O técnico catalão, que havia jogado nos últimos anos de carreira com um jovem Busquets no Barcelona B, apostou no meio-campista quando assumiu o time principal. “Guardiola me entendia como jogador porque me viu formar. Conhecia minhas limitações e meus pontos fortes antes mesmo que eu os descobrisse”, revelou Busquets anos depois. “Isso cria uma confiança impossível de replicar em relacionamentos técnico-jogador convencionais.” Outra história menos conhecida vem do Ajax. Ronald Koeman, ainda como jogador veterano, identificou o talento de um jovem zagueiro chamado Frank de Boer. Anos depois, como técnico do Ajax, Koeman não apenas promoveu De Boer ao time titular, mas o transformou em capitão e referência técnica. “Koeman me ensinou a ver o jogo quando eu ainda formava minha personalidade como jogador”, declarou De Boer. “Quando ele se tornou meu treinador, já existia uma linguagem comum entre nós. Ele sabia exatamente como me motivar.” A Redefinição da Identidade Rubro-Negra Durante anos, o Flamengo viveu o paradoxo de ser um clube com excelente categoria de base, mas que raramente aproveitava seus talentos no time principal. A chegada de Filipe Luís ao comando técnico alterou essa dinâmica. “Estamos testemunhando uma mudança cultural”, afirma Zico, maior ídolo da história do clube. “O Flamengo sempre teve jogadores talentosos na base, mas faltava alguém que os conhecesse profundamente e tivesse coragem para apostas sustentadas, não apenas oportunidades isoladas.” Dados internos do clube revelam que o tempo de jogo concedido a atletas formados na base aumentou 218% desde a chegada de Filipe ao comando. Mais significativo, o índice de aproveitamento desses jogadores melhorou consideravelmente. “Antes, um jovem ganhava uma chance e, se não correspondesse imediatamente, voltava ao banco. Era uma pressão insustentável”, analisa Carlos Eduardo Mansur, jornalista especializado em formação de atletas. “Filipe criou um ambiente onde erros fazem parte do processo, onde há tempo para adaptação. Isso muda completamente a psicologia do desenvolvimento.” O Segredo das Conversas Noturnas Poucos sabem, mas Filipe mantém um ritual que explica parte

Contratação invisível de jovens: Por que apostar na base vale mais que contratar astros internacionais

A cena se repete todo ano: flashes de câmeras, jornalistas aglomerados, torcedores eufóricos. O novo “craque internacional” ergue a camisa do clube, sorridente, enquanto cifras astronômicas circulam nos noticiários. Enquanto isso, silenciosamente, um jovem de 17 anos treina no campo B do Flamengo, longe dos holofotes. O Paradoxo do Investimento Quando o Ajax venceu o Real Madrid na Champions League em 2019, o mundo do futebol assistiu a uma aula de eficiência financeira. A equipe holandesa, formada majoritariamente por jogadores da base, havia custado €90 milhões para ser montada. O time merengue? Mais de €600 milhões. O resultado desafiou não apenas o placar, mas também a lógica do mercado. “O que construímos aqui não se compra com dinheiro”, declarou Erik ten Hag após a vitória. Ele estava certo. O que se constrói com paciência e desenvolvimento interno frequentemente supera o que se adquire instantaneamente. A Matemática Que Poucos Fazem Quando Joshua, um jovem atacante da base, é promovido ao time principal aos 17 anos, os números raramente aparecem nos jornais. Mas façamos as contas: Em contrapartida, contratar um atacante estrangeiro já estabelecido: A diferença no retorno sobre investimento é abismal. E ainda não consideramos o impacto nas receitas de marketing quando um jogador da casa se torna ídolo local. O Efeito Dortmund: Da Falência ao Protagonismo Em 2005, o Borussia Dortmund beirava a falência. Sem recursos para grandes contratações, o clube voltou-se para sua academia. Nasceu ali uma nova filosofia que revelaria nomes como Götze, Weigl, Pulisic e Sancho. Entre 2010 e 2020, o Dortmund obteve €650 milhões em vendas de jovens talentos, muitos custando apenas o valor de sua formação. Ao mesmo tempo, conquistou títulos e se estabeleceu como força competitiva na Europa. “Quando formamos jogadores, não apenas economizamos dinheiro. Criamos uma conexão emocional que nenhuma contratação estrangeira consegue replicar imediatamente”, explicou Hans-Joachim Watzke, CEO do clube alemão. A Psicologia do Pertencimento Além dos números, existe um componente psicológico frequentemente ignorado. Um jovem formado no clube carrega consigo: Pesquisas da Universidade de Liverpool indicam que jogadores com maior senso de pertencimento apresentam desempenho até 23% superior em momentos decisivos, comparados àqueles sem vínculo afetivo com a instituição. O Caso Barcelona: Da Era Dourada à Crise Nenhum exemplo ilustra melhor os dois lados da moeda que o FC Barcelona. A era dourada do clube coincidiu com a geração mais talentosa da La Masia: Messi, Xavi, Iniesta, Busquets, Piqué. Todos formados internamente, estabeleceram a maior hegemonia da história do futebol moderno. Quando o clube se afastou dessa filosofia, investindo cifras recordes em Griezmann (€120 milhões), Coutinho (€160 milhões) e Dembélé (€140 milhões), o resultado foi desastroso. Além do baixo rendimento esportivo, o clube enfrentou uma crise financeira sem precedentes. “Perdemos nossa essência quando deixamos de acreditar nos jovens para buscar soluções instantâneas”, admitiu o presidente Joan Laporta ao retornar ao cargo em 2021. O Jogo Invisível das Emoções Enquanto o astro internacional lida com a pressão esmagadora de justificar seu valor milionário, o jovem da base recebe o apoio paciente de quem viu seu desenvolvimento desde o início. Esta diferença emocional impacta diretamente no desempenho. O psicólogo esportivo Dr. Martin Schwartz observa: “O jogador formado internamente não sente que está sendo testado a cada partida. Ele sente que está representando sua casa. Esta distinção sutil transforma completamente sua resposta ao estresse competitivo.” A Revolução Silenciosa Clubes como Athletic Bilbao levaram esta filosofia ao extremo. Contratando exclusivamente jogadores bascos, majoritariamente de sua própria academia, o clube mantém-se competitivo na elite espanhola, mesmo com orçamento limitado. “Não é apenas uma questão financeira, mas de identidade”, explicou Aitor Elizegi, ex-presidente do clube. “Quando um jovem estreia no San Mamés, não é apenas um jogador que entra em campo. É toda uma comunidade que se vê representada.” O Futuro Inteligente O mercado de transferências continuará batendo recordes, mas uma contra-revolução silenciosa já está em curso. Bayern Munich, Manchester City e Liverpool – alguns dos clubes mais ricos do mundo – estão investindo massivamente em suas academias. Mesmo com recursos para qualquer contratação, estes gigantes perceberam: o futuro sustentável pertence a quem desenvolve seus próprios talentos. Joshua, o jovem de 17 anos que treina no campo B, talvez não estampe as manchetes amanhã. Mas em três anos, quando liderar o time com a braçadeira de capitão, terá construído o que bilhões não podem comprar: uma trajetória de identificação que transcende o próprio esporte. Na era da informação e dos dados, o maior paradoxo do futebol moderno é que seu maior valor continua invisível aos olhos mais apressados.

Neymar na seleção brasileira: entre o legado e a urgência da renovação

A figura de Neymar Jr. na Seleção Brasileira é como um espelho que reflete dilemas profundos do futebol nacional: como honrar um legado histórico sem comprometer o futuro? Com 79 gols em 128 jogos, o atacante é o maior artilheiro da história da Amarelinha, superando nomes como Pelé e Ronaldo. Entretanto, sua trajetória recente — marcada por lesões recorrentes e ausências prolongadas — coloca a CBF diante de um desafio complexo: é possível conciliar a genialidade técnica de Neymar com a urgência de renovar o elenco para a Copa de 2026? A Dualidade de um Ídolo: Entre a Genialidade e a Fragilidade Neymar não é apenas um jogador; é um símbolo. Sua capacidade de ditar o ritmo de um jogo, criar chances improváveis e decidir partidas com um toque de inspiração o torna único. Durante a Copa de 2022, por exemplo, sua atuação contra a Croácia nas quartas de final (mesmo com o Brasil eliminado) mostrou por que ele ainda é referência em momentos decisivos. No entanto, essa mesma genialidade é ofuscada por uma realidade implacável: desde 2017, ele acumula mais de 1.150 dias afastado dos gramados devido a lesões, incluindo um rompimento de ligamentos no joelho em 2023 e múltiplas intercorrências musculares após seu retorno ao Santos em 2025. Aos 33 anos, a pergunta que se impõe não é sobre seu talento, mas sobre sua capacidade de sustentar fisicamente a exigência de uma Copa do Mundo. O Argumento a Favor da Continuidade: Liderança e Experiência em Xeque Defensores da permanência de Neymar argumentam que sua influência transcende estatísticas. Ele é o último elo da geração que viveu três Copas (2014, 2018 e 2022), acumulando experiência em cenários de alta pressão. Sem contar de sua habilidade em organizar o jogo tático, atraindo marcações e liberando espaços para jovens como Vinicius Jr. e Rodrygo permitindo que a dupla do Real Madrid explorasse as pontas com mais liberdade. Além disso, seu recorde histórico funciona como um status simbólico: em um país obcecado por números, ter o maior artilheiro da seleção em atividade é um trunfo psicológico tanto para a torcida quanto para os adversários. A Crise que Exige Renovação: Por Que o Brasil Precisa se Reinventar Por outro lado, a dependência excessiva de Neymar revela uma fragilidade estrutural. Sem ele, a Seleção Brasileira frequentemente perde identidade, como ocorreu na derrota para a Argentina nas semifinais da Copa América 2023, quando a ausência do camisa 10 deixou um vácuo criativo no meio-campo. Essa dependência, somada à sua instabilidade física, alimenta um ciclo vicioso: a equipe se estrutura para compensar suas ausências, mas não desenvolve um modelo de jogo autossustentável. Não por acaso, em jogos sem Neymar durante as Eliminatórias de 2026, o Brasil experimentou formações mais coletivas, como o 4-3-3 com Endrick como pivô — estratégia que, embora irregular, mostrou lampejos de um futebol menos individualista. Copa de 2026: Estratégias para uma Transição sem Traumas Se Neymar não estiver apto em 2026, a CBF precisará adotar uma abordagem multifacetada, equilibrando respeito ao passado e aposta no futuro. Um caminho possível é priorizar sistemas táticos que valorizem a posse de bola e a pressão alta, estilo defendido por Pep Guardiola, cotado para assumir o comando técnico. Nesse modelo, jogadores como Bruno Guimarães (Newcastle) e João Gomes (Wolverhampton) ganhariam protagonismo no meio-campo, enquanto Vini Jr. e Martinelli atuariam como alas criativos, função que já desempenham com excelência em seus clubes europeus. Outro pilar é integrar gradualmente jovens promessas sem sobrecarregá-las. Endrick, por exemplo, já demonstra maturidade técnica no Real Madrid, mas exigir que ele substitua Neymar como “salvador da pátria” seria um erro histórico — algo que o próprio Pelé enfrentou em 1958, quando Zagallo e Garrincha dividiram responsabilidades para aliviar a pressão sobre o então jovem astro. O Papel da CBF: Entre a Gestão de Crises e o Planejamento de Longo Prazo A entidade precisa agir em três frentes: Um Novo Capítulo para a Seleção A resposta à pergunta “O que fazer com Neymar?” não é binária. Ele ainda tem condições de contribuir, mas como peça complementar, não como eixo central. Sua experiência pode ser valiosa em momentos decisivos, como cobranças de pênaltis ou partidas tensas em mata-matas, mas a Seleção precisa urgentemente romper com a cultura do “homem-salvação”, herança de uma era que já não existe. A Copa de 2026 deve marcar não apenas o possível adeus de um ídolo, mas o início de uma filosofia que valorize o coletivo sobre o individual. Afinal, como mostrou a Alemanha em 2014 e a França em 2018, são as equipes — não os astros isolados — que levantam taças em tempos modernos. O Brasil tem talento para seguir esse caminho. Resta saber se terá coragem.

Era Tite na seleção: análise dos acertos e erros do ciclo que terminou em frustração

Após seis anos no comando da seleção brasileira, o ciclo de Adenor Leonardo Bacchi, o Tite, chegou ao fim com a eliminação nas quartas de final da Copa do Mundo de 2022 para a Croácia. O que inicialmente parecia uma escolha acertada para reconstruir a seleção após o trauma de 2014 terminou com mais frustração para o torcedor brasileiro. O técnico que chegou com a promessa de trazer organização, estabilidade e resultados deixou o cargo sem conquistar o principal objetivo: a sexta estrela. Mas afinal, o que deu errado na era Tite? Do Resgate à Estagnação: Os Dois Ciclos Distintos A passagem de Tite pela seleção brasileira pode ser claramente dividida em dois momentos: o ciclo 2016-2018 e o ciclo 2019-2022. Essa divisão é fundamental para entender onde o projeto descarrilou. Primeiro Ciclo (2016-2018): O Resgate da Credibilidade Quando assumiu em junho de 2016, Tite encontrou uma seleção: Em poucos meses, o treinador conseguiu: O Brasil chegou à Copa da Rússia como um dos favoritos, com um sistema de jogo claro e jogadores confiantes. A eliminação para a Bélgica nas quartas de final, apesar de dolorosa, foi vista como um acidente de percurso em um trabalho promissor. Segundo Ciclo (2019-2022): A Estagnação Tática A decisão da CBF de manter Tite para mais um ciclo parecia lógica após o trabalho de reconstrução. No entanto, o que se viu foi uma estagnação preocupante: O título da Copa América de 2019 mascarou problemas que ficaram evidentes na eliminação para a Argentina na final da edição seguinte, em 2021, e que culminaram na queda para a Croácia no Qatar. Erros Táticos: Da Solidez à Previsibilidade Rigidez Sistêmica Tite construiu sua carreira como um técnico que valoriza a organização defensiva e o equilíbrio entre setores. Essa abordagem funcionou perfeitamente no primeiro ciclo, mas revelou-se insuficiente quando os adversários se adaptaram: Ausência de Plano B Efetivo Na Copa do Qatar, essa limitação ficou evidente. Contra a Croácia, após abrir o placar na prorrogação, a seleção: Como resumiu o ex-jogador Kaká: “Tite montou uma Ferrari, mas dirigiu como se fosse um Fusca.” Uso Inadequado de Talentos Ofensivos O Brasil chegou ao Qatar com um arsenal ofensivo invejável: Neymar, Vinicius Jr., Raphinha, Richarlison, Rodrygo, Antony, Gabriel Jesus. No entanto: Convocações Polêmicas: Lealdade Acima da Meritocracia Um dos pontos mais criticados na era Tite foi sua tendência a priorizar jogadores de confiança em detrimento daqueles em melhor momento técnico. Os “Homens de Confiança” Alguns casos emblemáticos: Ausências Sentidas Por outro lado, jogadores em grande fase foram ignorados ou subutilizados: A mais polêmica das ausências talvez tenha sido a de Renan Lodi, lateral do Atlético de Madrid, deixado de fora por não estar vacinado contra Covid-19 – decisão que dividiu opiniões, especialmente considerando que a FIFA não exigia vacinação para a competição. A Dependência de Neymar: Uma Estratégia de Risco O Dilema do Superastro Talvez o maior erro estratégico de Tite tenha sido aprofundar a dependência de Neymar, em vez de reduzi-la ao longo dos anos: Estatísticas revelam que nos jogos sem Neymar durante o ciclo 2019-2022, a seleção teve desempenho notavelmente inferior, evidenciando que Tite não conseguiu construir um sistema que funcionasse independentemente de seu principal jogador. O Paradoxo Tático O mais irônico é que a equipe mostrou seu melhor futebol no Qatar justamente quando Neymar estava lesionado: Isso sugere que uma distribuição mais equilibrada de responsabilidades poderia ter sido mais eficiente a longo prazo. Problemas de Gestão e Comunicação Comunicação Ineficiente Tite sempre se orgulhou de sua capacidade de gestão de grupo, mas no segundo ciclo surgiram problemas nessa área: Falta de Autocrítica Após derrotas ou desempenhos ruins, o treinador raramente assumiu responsabilidade direta: Preparação Mental: O Calcanhar de Aquiles O Peso da História Um aspecto frequentemente negligenciado na análise da era Tite é a preparação psicológica da equipe para momentos decisivos: A comissão técnica, que incluía um psicólogo, não conseguiu preparar adequadamente os jogadores para lidar com a pressão inerente à camisa amarela. Escolhas em Momentos Cruciais A disputa de pênaltis contra a Croácia exemplifica esse problema: Legado e Aprendizados Apesar das críticas, a era Tite deixa lições importantes: Pontos Positivos Lições para o Futuro Um Projeto Incompleto A era Tite termina como um projeto que começou promissor mas não se completou. O técnico que chegou para reconstruir conseguiu erguer estruturas sólidas, mas não colocou o teto da casa. Seu legado será sempre marcado pela dualidade: o resgate bem-sucedido no primeiro ciclo e a estagnação frustrante no segundo. Para o pentacampeão mundial, que vive seu maior jejum de títulos mundiais desde o intervalo entre 1970 e 1994, fica a lição de que mesmo um trabalho estruturado pode fracassar quando falta capacidade de renovação e adaptação. O próximo treinador da seleção brasileira precisará encontrar o difícil equilíbrio entre respeitar a tradição do “jogo bonito” e implementar a disciplina tática que o futebol moderno exige. Como disse o próprio Tite em sua despedida: “Ciclos se encerram”. Resta saber se o próximo ciclo da seleção assimilará os aprendizados deste que agora se fecha.

Por que o Brasil não forma técnicos de elite como na Europa?

O Brasil é mundialmente reconhecido pela sua capacidade de revelar jogadores excepcionais. De Pelé a Neymar, o país produziu alguns dos maiores talentos que o futebol já viu. Paradoxalmente, quando o assunto é formação de treinadores, o cenário é completamente diferente. Enquanto nações europeias como Alemanha, Espanha, Itália e Portugal desenvolvem sistematicamente técnicos de classe mundial, o Brasil segue importando metodologias e, cada vez mais, profissionais estrangeiros para seus principais clubes e, possivelmente, para a seleção nacional. O que explica esse abismo entre a produção de jogadores e treinadores no país pentacampeão mundial? Vamos analisar os fatores estruturais, culturais e econômicos que contribuem para esta realidade. Formação deficiente e não-padronizada O problema da licença Na Europa, federações como UEFA e suas afiliadas nacionais desenvolveram um sistema rigoroso e padronizado de formação de treinadores: No Brasil, a implementação das licenças CBF só ganhou força nos últimos anos, com exigências muito recentes para que técnicos tenham formação específica. Até pouco tempo, apenas o diploma de Educação Física era suficiente para comandar equipes profissionais. Conteúdo acadêmico desatualizado As escolas de formação brasileiras frequentemente sofrem com: Um ex-jogador europeu que busca se tornar treinador geralmente passa por 2-3 anos de formação intensiva antes de assumir uma equipe profissional. No Brasil, essa transição costuma ocorrer de maneira quase imediata, sem a devida preparação. Cultura do imediatismo Pressão por resultados imediatos O Brasil possui um dos calendários mais congestionados do futebol mundial e uma das médias mais baixas de permanência de técnicos: Este cenário impede: Cultura da demissão Enquanto na Europa um treinador geralmente recebe tempo para desenvolver seu trabalho, no Brasil prevalece a “cultura do resultado imediato”: Ausência de escolas filosóficas nacionais Identidade técnica diluída Países como Espanha (tiki-taka), Alemanha (gegenpressing), Itália (catenaccio modernizado) e Portugal (pragmatismo organizado) desenvolveram escolas táticas reconhecíveis. Estas filosofias são ensinadas desde as categorias de base até o nível profissional, criando uma identidade nacional. O Brasil, que já teve o “futebol-arte” como marca registrada, perdeu sua identidade técnica nas últimas décadas. Hoje, não existe uma “escola brasileira” claramente definida que oriente a formação de treinadores. Falta de centros de excelência Na Europa, instituições como: Funcionam como verdadeiros laboratórios do futebol, onde técnicos em formação têm acesso a: No Brasil, não existe um centro nacional equivalente para a formação de treinadores. Fatores econômicos e estruturais Desvalorização financeira O salário médio de um treinador brasileiro em clubes nacionais é significativamente inferior ao praticado na Europa: Esta disparidade afeta: Infraestrutura e recursos O desenvolvimento de treinadores modernos exige acesso a: A maioria dos clubes brasileiros não consegue oferecer esta estrutura, limitando o crescimento técnico dos treinadores locais. O ciclo vicioso da importação Valorização do estrangeiro Nas últimas temporadas, observamos uma tendência crescente de contratação de técnicos europeus e argentinos para os principais clubes brasileiros: Este fenômeno, embora traga conhecimento internacional, cria um ciclo perverso: Como reverter o cenário Para que o Brasil volte a formar treinadores de nível internacional, seriam necessárias mudanças estruturais: 1. Reforma educacional 2. Mudança cultural 3. Investimento em infraestrutura 4. Política de repatriação e aproveitamento Conclusão O abismo entre a capacidade brasileira de formar jogadores e técnicos não é fruto do acaso, mas resultado de décadas de negligência estrutural, cultural e educacional. Enquanto a Europa investiu sistematicamente na profissionalização da carreira de treinador, o Brasil manteve uma abordagem amadora e improvisada. A solução passa necessariamente por uma revolução na forma como enxergamos a função do treinador. Não basta ser um ex-jogador carismático ou ter “sentimento” pelo clube – o futebol moderno exige conhecimento técnico, tático, físico, psicológico e tecnológico em níveis cada vez mais avançados. Ironicamente, o país que ensinou ao mundo como jogar futebol agora precisa aprender com outros como formar aqueles que ensinam o jogo. O potencial existe – o Brasil tem tradição, paixão e talento humano abundantes. O que falta é organização, planejamento e, principalmente, paciência para construir uma nova geração de treinadores que possa devolver ao país o protagonismo técnico que já foi sua marca registrada. Quando o Brasil compreender que formar um grande treinador é tão importante quanto revelar um craque, talvez possamos finalmente ver técnicos brasileiros disputando as principais competições europeias e liderando seleções de ponta – algo que, curiosamente, já acontece com profissionais de preparação física, análise de desempenho e fisioterapia formados no país.

Abel Ferreira seleção brasileira: Por que a CBF ignora o técnico mais vitorioso do país?

Em meio à crise técnica que assola a seleção brasileira e após o fracasso nas negociações com Carlo Ancelotti, uma pergunta ecoa entre torcedores e especialistas: por que a CBF não aposta em Abel Ferreira, o treinador estrangeiro mais bem-sucedido em atividade no futebol brasileiro? O português que revolucionou o Palmeiras parece ser uma solução óbvia que, inexplicavelmente, não ganha força nos corredores da entidade máxima do futebol nacional. O Fenômeno Abel Ferreira no Palmeiras Desde sua chegada ao Palmeiras em outubro de 2020, Abel Ferreira construiu um legado impressionante: Em menos de quatro anos, o treinador português conquistou nove títulos relevantes, implementando uma filosofia de jogo adaptativa, pragmática e mentalmente forte. Além dos troféus, Abel desenvolveu jovens talentos, maximizou o potencial de jogadores experientes e criou uma identidade reconhecível para sua equipe. A Resistência da CBF aos Técnicos Estrangeiros Apesar do sucesso incontestável de Abel, a CBF demonstra uma hesitação histórica em relação a treinadores estrangeiros para a seleção brasileira. Alguns fatores podem explicar essa relutância: 1. Tradição e Orgulho Nacional O Brasil é o único pentacampeão mundial, e todos os títulos foram conquistados com técnicos brasileiros. Existe uma crença arraigada de que o futebol brasileiro deve ser dirigido por quem “entende a alma” do jogador nacional. 2. Pressão da Classe de Treinadores Brasileiros A influente comunidade de técnicos brasileiros tradicionalmente faz lobby contra a contratação de estrangeiros, alegando que isso desvaloriza os profissionais locais e interrompe o desenvolvimento de uma escola nacional de treinadores. 3. Receio de Adaptação Cultural Mesmo com Abel demonstrando excelente adaptação ao Brasil, persiste o temor de que um estrangeiro não consiga lidar com as peculiaridades do ambiente da seleção, incluindo a pressão da mídia, as idiossincrasias dos jogadores brasileiros e as expectativas estratosféricas. 4. O Paradoxo Ancelotti Curiosamente, a CBF tentou contratar Carlo Ancelotti por duas vezes, o que contradiz parcialmente a resistência a estrangeiros. Porém, esta exceção parece se aplicar apenas a nomes consagrados mundialmente, de preferência europeus, revelando um certo complexo de inferioridade institucional. Aprendendo com Portugal e Argentina Enquanto o Brasil hesita, podemos observar dois modelos bem-sucedidos em seleções tradicionais: O Modelo Português Portugal apostou continuamente em técnicos locais: A federação portuguesa valoriza profissionais que entendem a cultura local e o desenvolvimento do jogador português, estabelecendo uma continuidade filosófica no trabalho. O Modelo Argentino A Argentina, após experimentações com técnicos estrangeiros (como Gerardo Martino), retornou ao modelo local com: A aposta argentina demonstrou que mais importante que o currículo é a identificação com o projeto esportivo nacional e a capacidade de conectar-se com os jogadores. Por Que Abel Ferreira Seria a Escolha Ideal Considerando o momento atual da seleção brasileira, Abel Ferreira apresenta características que o credenciam como candidato ideal: 1. Conhecimento do Futebol Brasileiro Após quase quatro anos no Brasil, Abel compreende profundamente as características do jogador brasileiro, o calendário caótico e as pressões do ambiente futebolístico nacional. Não seria um estrangeiro tentando entender o Brasil, mas alguém já “abrasileirado”. 2. Pragmatismo e Adaptabilidade Uma das maiores qualidades de Abel é sua capacidade de adaptar o estilo de jogo conforme o adversário e as condições da partida. Na seleção, essa flexibilidade tática seria crucial para enfrentar diferentes escolas futebolísticas. 3. Capacidade de Construir Grupos Coesos O treinador português demonstrou no Palmeiras excepcional habilidade para criar um ambiente de trabalho produtivo, com jogadores comprometidos com um objetivo comum. Este aspecto é fundamental para períodos curtos de preparação, como ocorre nas Datas FIFA. 4. Perfil Vencedor e Mentalidade Competitiva Abel cultiva uma cultura de excelência e não se intimida diante de desafios. Sua personalidade forte e capacidade de tomar decisões difíceis seriam valiosas para romper o ciclo de frustrações da seleção. Os Obstáculos para a Contratação Apesar dos argumentos favoráveis, existem barreiras práticas para a chegada de Abel à seleção: 1. Contrato com o Palmeiras Abel possui vínculo com o clube paulista e cláusulas de rescisão substanciais. A CBF precisaria negociar com o Palmeiras ou aguardar o término do contrato. 2. Projeto Pessoal O treinador tem manifestado interesse em permanecer no Palmeiras para consolidar seu legado. Um ciclo na seleção poderia interromper este projeto de longo prazo. 3. Resistência Interna na CBF Setores conservadores dentro da entidade ainda resistem à ideia de um técnico estrangeiro, mesmo que este tenha provado seu valor no futebol brasileiro. A Lição que a CBF Precisa Aprender O futebol moderno exige abertura a novas ideias e superação de preconceitos. Seleções tradicionais como França, Alemanha e Espanha já contrataram técnicos estrangeiros quando necessário, sem que isso representasse abandono da identidade nacional. A CBF precisa responder a uma pergunta fundamental: o objetivo é preservar um nacionalismo ultrapassado ou construir uma seleção competitiva? Conclusão: Hora de Pragmatismo O caso Abel Ferreira ilustra perfeitamente a dicotomia entre tradição e inovação no futebol brasileiro. Enquanto a CBF continua sua busca por nomes internacionais de peso (como Ancelotti) ou se volta para soluções caseiras frequentemente recicladas, o técnico que melhor conhece o futebol brasileiro atual segue sendo ignorado. A experiência de Portugal e Argentina demonstra que o essencial não é a nacionalidade do treinador, mas sua capacidade de implementar um projeto vitorioso alinhado com as características dos jogadores disponíveis. Para o Brasil recuperar seu protagonismo no cenário mundial, talvez seja hora de olhar para o exemplo que brilha em seu próprio quintal. Abel Ferreira pode não ser brasileiro de nascimento, mas poucos entendem tão bem o futebol nacional como ele atualmente. A pergunta que permanece é: terá a CBF a coragem de romper paradigmas e apostar em quem já provou seu valor em solo brasileiro?

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